Durante muitos e muitos anos, quando se questionavam os elevados preços do transporte aéreo nos Açores, o Governo Regional referenciava a SATA como a prestadora de um serviço de qualidade. Uma companhia de bandeira que, devido ao serviço público prestado de ligar nove ilhas entre si e com o exterior, dificilmente conseguia praticar preços mais baixos. Aliás, a heterogeneidade das nossas ilhas, com rotas mais e menos lucrativas, determinava que o espaço aéreo não podia ser liberalizado, sob pena das ilhas com menor população serem fortemente prejudicadas. A SATA era, por isso, um instrumento essencial para promover a coesão territorial dos Açores
Subitamente, de há dois ou três anos para cá, a narrativa começou visivelmente a mudar. Os enormes prejuízos da empresa começaram a vir a público, as dificuldades de investimento na empresa aumentaram de forma drástica e ficámos a saber que as regalias dos trabalhadores da empresa colocavam em causa a sustentabilidade da mesma. Todos estes problemas começaram a vir a público ao mesmo tempo que o cenário de liberalização de algumas rotas aéreas e da entrada no mercado das Low Costs era dado como quase certo.
O Governo Regional que defendia há uns anos a SATA como uma companhia de referência, como prestadora de um serviço público indiscutível para a região, é o mesmo Governo Regional que hoje aponta os prejuízos e os problemas estruturais da empresa. É o mesmo Governo Regional que reclama a paternidade das low costs nos Açores. O que justificou esta pirueta? Estaremos perante uma espécie de amnésia selectiva por parte dos responsáveis regionais?
Para lá das naturais euforias quanto ao crescimento do turismo na região (uma boa notícia, sem dúvida), é hoje consensual que a abertura do espaço aéreo nos Açores não acautelou a necessária adaptação da SATA para o referido embate. Aliás, a súbita mudança de discurso do Governo Regional, em forte parceria com o Governo da República em todo este processo, demonstra bem que não houve tempo para preparar o que quer que seja. Optou-se assim por sacrificar sem mais uma empresa regional com um percurso que se confunde com a própria história da autonomia açoriana.
E mais do que desrespeitar uma empresa, este processo revelou sobretudo um tremendo desrespeito pelos profissionais da SATA. Os trabalhadores e os seus representantes foram vergonhosamente mantidos à margem do sucedido, sabendo das novidades através da comunicação social. Não é necessário ser-se lírico para afirmar a pés juntos que são os profissionais que fazem uma empresa. É o seu empenho, dedicação e competências que a tornam possível. Os trabalhadores são, sem dúvida, o seu principal ativo nomeadamente porque são eles também os maiores conhecedores das mais-valias e dos problemas das empresas. Deixar-lhes à margem de um processo de mudança é um acto de profunda incompetência.
João Ricardo Vasconcelos
Candidato do LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR pelos Açores