Temos o péssimo hábito de apagar da discussão pública temas que deixam de fazer manchete nos jornais. De entre os vários que se arrastam, e são muitos, há um que me deixa absolutamente sem palavras. Refiro-me ao BES.
Em Outubro votaremos em eleições nacionais e, como tal, devemos não esquecer que os deputados eleitos pelo círculo dos Açores, para além da defesa dos interesses da Região, terão também um papel importante nas decisões que afectam a vida da República.
O BES é um tema nacional e, pelo que vou observando, com uma actualidade infelizmente permanente. O tema já foi discutido várias vezes do ponto de vista dos contribuintes. Da injustiça (para ser meigo na adjectivação) que foi tapar com o erário público o esquema fraudulento que resultou na falência do BES.
Hoje, contudo, quero abordar o tema na perspectiva dos que foram directamente lesados nos seus depósitos e investimentos.
Um jornalista aproxima-se de umas dezenas de pessoas que se manifestavam em frente à sede. Muitos deles emigrantes com décadas de trabalho convertidos em depósitos no BES e que, de um dia para o outro, ficaram sem nada. Um deles diz que tinha 150 000 euros antes do colapso, outro dizia que tinha lá 45 anos de trabalho em França. Ambos ficaram sem nada. Eu ouvia aquilo e perguntava-me, como é possível?
Durante os anos do capitalismo selvagem tentaram passar a mensagem dos mercados, das bolsas, das inevitabilidades da economia. Tudo entidades sagradas e ciências complexas que o comum dos mortais não consegue entender. Limitamo-nos a aceitar porque não percebemos as regras.
Mas não há aqui qualquer mistério. Os mercados são instituições (bancos, seguradoras, financeiras) que emprestam dinheiro e cobram juros altíssimos. A bolsa é uma espécie de mercado do oxigénio, onde não se produz nada e se geram lucros com base em especulação. São os filhos do capitalismo e com reguladores incompetentes, como é o caso do Banco de Portugal, são a receita certa para a catástrofe. Os EUA já passaram por isso (várias vezes), a Europa também e a China está a ganhar-lhe o gosto agora. O sistema está podre.
Há também quem defenda que o investidor tem que perceber os riscos das aplicações de alto rendimento e por aí fora. A pergunta aqui é : se um emigrante em França coloca o seu dinheiro num banco (que por acaso era o maior banco privado português!) que promete retorno de X% e isso, por qualquer razão é uma impossibilidade matemática ou caminho para o abismo, para que serve então o Banco de Portugal? E como pode o governo de uma nação que se diz justa, permitir que depositários fiquem sem as poupanças de uma vida ? Como pode esta gente não ter defesa e estar só?
Ricardo Salgado antes do colapso transferiu 1800 milhões de euros para a família. A mesma família que continua dona de uma fortuna enorme, com bens e imóveis. Pergunto: fez o governo alguma coisa para ajudar os lesados? Não, não fez. Se existisse vontade política, a primeira coisa que teriam feito era confiscar todos os bens dos autores das fraudes e minimizar o prejuízo dos clientes. E isto é válido para BPN, BPP e BES, bem como para PS, PSD e CDS.
O problema é que estes bancos, os chamados bancos do regime, ofereceram vastos lucros ao longo dos anos à classe política que lidera os destinos de Portugal desde os anos 80. E entre amigos ninguém se zanga. Ricardo Salgado cai em desgraça mas faz-se o possível para que não perca tudo e, acima de tudo, não abra a boca.
Quem trabalhou uma vida inteira e ficou sem nada, é o chamado dano colateral de um regime que se perpetua numa teia de interesses e compadrios.
A mudança deve chegar nas legislativas de Outubro e, a meu ver, o primeiro passo é garantir que pessoas exteriores a este grupo de bons amigos, chegam à Assembleia da República.
Tiago Franco
Candidato do LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR pelos Açores